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C U I D A R


Será que uma iniciativa virtual faz diferença na realidade? Nossa repórter se tornou uma ativista digital e descobriu, nos bastidores do engajamento on-line, o que funciona de verdade.
Texto: Jaqueline Li
Centenas de possibilidades a um clique: alimentar crianças na África ou deixar as baleias de Abrolhos namorar em paz, ajudar mulheres com câncer de mama ou lutar contra a corrupção. Muito se diz sobre o poder da internet para mobilizar, engajar e agrupar pessoas em prol de uma causa.
Só neste ano, com o apoio e a pressão das redes sociais, vimos nações se livrar de ditaduras na Primavera Árabe, pessoas condenar ações de grandes empresas e políticos assumir suas faltas.
Tudo disponível on-line para quem quiser apoiar, ler, comentar e compartilhar, sem sair de casa. Mas será que a rede de computadores é mesmo capaz de transformar a realidade?
Curiosa para descobrir até onde vai uma ação que começa no mundo virtual, aceitei o desafio de acompanhar, curtir e participar de movimentos por algumas causas que surgiram em minha tela. Por três semanas, eu virei uma ativista digital.
Pelo Facebook, a rede social que compartilha informações entre amigos, eu sempre fico sabendo de ações como marchas e festas em torno de alguma causa. Se ninguém me convida, vejo uma hora ou outra que um amigo confirmou presença. O mais difícil é filtrar tanta informação, escolher as causas que realmente têm a ver com o que acredito – e não os mais populares.
Pesquisando sobre isso, eu descobri que muita gente cai no slacktivism (o ativismo de mentirinha), que não tem impacto nenhum na sociedade, mas faz com que o sujeito aparentemente se sinta bem. É uma forma de aliviar a consciência e mostrar aos outros que você faz algo. Ciente desse perigo, comecei os trabalhos.
Apoie essa causa
Ao entrar na vida de ativista, eu descobri que estava agindo para transformar a realidade toda vez que compartilho um texto, uma ideia ou as informações que considero relevantes. Mas, para ir mais longe, fui pondo meu nome em nove abaixo-assinados que achei interessantes, como um que pedia o veto da presidente Dilma ao novo código florestal, outro que faria com que o Saci Pererê tivesse uma data nacional em sua homenagem e na lista que exige que a polícia dinamarquesa não condene quatro integrantes do Greenpeace presos em uma manifestação pacífica.

Soube que algumas plataformas de sites de abaixo-assinados não fazem restrições à criação de listas. Há uma quantidade incontável de petições online produzidas diariamente, sem nenhuma moderação. A meta de assinaturas também muda constantemente – pode ser de 100, 100 mil ou 1 milhão. Além de isso parecer não ter fim, é muito fácil assinar nomes falsos ou multiplicar sua contribuição alterando um sobrenome ou alguma letra. Nenhum documento legal é necessário para provar a identidade – basta o e-mail, às vezes o número do CEP ou do telefone.

Minha maior dúvida era saber se esses documentos têm alguma utilidade prática. Foi aí que descobri que abaixo-assinados são apenas manifestações da opinião pública. A quem, de fato, se destinam, é apenas outra maneira de chamar atenção. No gabinete da Presidência da República, por exemplo, não faz muita diferença um documento chegar com só dez ou 250 mil assinaturas, porque fatalmente ele será engolido pela burocracia federal. Em geral, o autor das petições on-line não sabe quão popular será sua causa nem o que fará com as assinaturas. Assinei a causa que defende a ideia de que os professores da rede pública tenham o mesmo índice de reajuste salarial que os parlamentares, mas, quando fui atrás do organizador e dos políticos envolvidos, percebi que ninguém tinha noção de que a marca de mais de 166 mil assinaturas já havia sido atingida.
Ainda assim, algumas petições on-line têm destino mais prático. As assinaturas recolhidas contra o fechamento do Cine Belas Artes, em São Paulo, tornaram-se um dos documentos mais importantes para o processo de tombamento do local como um patrimônio imaterial. E a Lei Ficha Limpa, uma ideia que virou projeto de lei de iniciativa popular, só surgiu por causa de 1,6 milhão de assinaturas físicas e mais de 2 milhões de virtuais –para que o abaixo-assinado tenha essa força, é necessário que 1% do eleitorado assine fisicamente uma petição, com firma reconhecida em cartório eleitoral.
O que senti é que parece haver certo descompasso entre se mostrar disposto à mudança e estar pronto para levá-la a cabo. Das causas às quais assinei meu nome, não consegui resposta positiva sobre o destino de nenhuma delas. Muitas estão abertas até agora, e é possível que sigam assim ainda por muito tempo.
Ajude com seu clique
Além das listas, usei o mouse em sites que revertem cliques em doações de coisas palpáveis para organizações não governamentais, como comida e mamografias. São sites como o clickarvore.com.br, da ONG S.O.S. Mata Atlântica, que se propõe a reflorestar várias regiões do Brasil, sem cobrar nada do internauta (veja mais no quadro abaixo). Na maioria das vezes, os sites não exigem dados pessoais, e parecem uma forma fácil de ajudar – mas, como descobri, não funcionam como um passe de mágica.
As empresas que bancam as doações fazem isso em troca de mais visibilidade na rede – cada vez que alguém clica para ajudar é obrigado a ver a marca. Ou seja, é uma maneira diferente de fazer permuta em troca de publicidade, mas com o intuito de resolver alguns problemas
pontuais. O que pode funcionar. É assim que o Instituto Neo Mama, de Santos, no litoral de São Paulo, oferece em média 45 mamografias gratuitas por mês a mulheres carentes.
Empolgada, cliquei várias vezes no link. Porém, soube depois que não faz diferença se naquele mês o instituto recebeu só os meus ou 250 cliques: os patrocinadores disponibilizam um número fixo de mamografias por mês. Claro que a nossa participação facilita que as parcerias sejam firmadas, mas não é a quantidade de cliques que faz a quantidade real de doações.

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Minha última frente como ativista digital foram os movimentos voluntários. São as marchas ou protestos que, divulgados na internet, angariam adeptos que vão para a rua mostrar sua opinião. Acompanhei algumas dessas ações e percebi que as pessoas estão acostumadas a curtir e a dizer sim para tudo, mesmo que estejam a quilômetros do lugar onde vai acontecer a manifestação. Nas três marchas a que fui na Avenida Paulista, em São Paulo, o número de pessoas que confirmaram comigo a presença via Facebook não tinha nada a ver com a quantidade que apareceu lá em carne e osso.
Na primeira manifestação, em um sábado chuvoso, esperava cerca de 400 pessoas em defesa da floresta Amazônica. Encontrei quase o dobro. No domingo, no protesto por um Estado laico, 19 mil manifestantes disseram que estariam lá, mas eu só vi uns 30. Na marcha pela educação, cerca de 700 pessoas confirmaram a participação, mas havia pouco mais de 100 militantes nas ruas. Em outras cidades, eu percebi pelos comentários que isso também é comum.
Um exemplo é o caso Tonho Crocco, nome do músico e deputado estadual gaúcho que compôs um rap com o nome dos 36 parlamentares que aprovaram o aumento de 73% em seus salários. A música rendeu mais de 180 mil visualizações na web, e o cantor foi processado por ferir a honra dos deputados. Por semanas, os ativistas se movimentaram na rede e conseguiram arquivar o processo contra o compositor. Então, no dia em que aconteceria a audiência, uma manifestação foi agendada em Porto Alegre e, pelo Facebook, 15 mil pessoas confirmaram presença. O que se lê na página é a frustração de quem apareceu achando que encontraria uma festa e viu pouca coisa.
Conecte-se e compartilhe
Nas minhas semanas de ativista, eu percebi que a internet cumpre bem seu papel de difundir ideias sem filtros nem hierarquias. Conversando com Massimo di Felice, especialista em teoria da opinião pública da Universidade de São Paulo, soube que estamos presenciando uma nova forma de construção coletiva em que tudo e todos estão mais inteligentes e informados. A rede é a arma dos fracos, de quem nunca teve voz. Nela, todos têm o mesmo poder comunicativo e a informação não é retida por um expert. Isso não têm antecedentes na história. Para ele, a internet inaugura um novo nível de democracia, que deixa de ser opinativa e passa a ser colaborativa.
É verdade que a rede tem esse poder magnífico de encurtar distâncias e pôr as pessoas em grupos de debate e troca de informação. Gente de todos os níveis culturais e lugares se unem e, rapidamente, sabem o que acontece no mundo. Com isso, podem decidir vestir uma camisa ou propor mudanças. Mas, para que as transformações cheguem à vida real, elas precisam ter a ver com a minha realidade e me dizer alguma coisa. Mudanças locais são o que de melhor a internet pode fazer. A rede permite conexão com outras experiências globais que podem ser adaptadas à nossa realidade. Se tivermos de esperar que uma assinatura ou uma marcha virem uma ação, vai levar mais tempo. O ativismo virtual funciona, dependendo da causa, de quem está envolvido e de quão simples é a proposta de transformação. E, principalmente, “de quanto se leva ela a sério, para além de só curtir.”

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