Você passa por elas diariamente, para ir ao trabalho ou à escola, passear, a pé ou em qualquer meio de transporte. Apesar dessa rotina, são poucas as pessoas que param para pensar sobre quantas histórias uma rua pode contar, desde o nome que a batiza, os personagens que a habitam e até locais que guardam um episódio inusitado. Na verdade, elas são um palco a céu aberto.
Em Campo Grande, tem gente especializada contando algumas destas histórias, seja por meio da realidade ou da ficção, em histórias reunidas no livro “Prosas e Segredos da Morena”, que será lançado amanhã (leia ao lado). Uma delas é de autoria do escritor Geraldo Ramón, relembrando alguns mendigos – ou moradores de rua – que ficaram famosos por frequentarem ruas centrais de Campo Grande.
Barbosa – ou Barbosa Negro – perambulava pelas ruas centrais, nos idos das décadas de 1940 e 1950. “Ele caminhava sem destino, sempre com aquele cobertor conhecido como seca poço nos ombros. O curioso é que a mão sempre estava posicionada como se tivesse uma lupa, revelando que ele procurava algo no chão, como se fosse uma pedra preciosa”, explica o autor. Quem o conheceu disse que era completamente louco, desnorteado, que dormia na rua sob marquises, recebia comida de um e de outro e que o tesouro seria um possível diamante que pertenceu a ele ou um grande amor perdido.
Josetti é outro típico morador de rua que ficou famoso e mereceu uma história. Quem o conheceu, vivendo na Rua Y-Juca Pirama (atual Avenida Cândido Mariano), revela que se tratava de um homem sábio, alto e forte, que ajudava os alunos de uma escola. “Ele esbanjava cultura. Era um homem maduro, parecia ser de família, bem-vestido, mas completamente descompensado e que bebia muito. Porém, ensinava muitas coisas aos alunos que estudavam na escola que hoje é a Maria Constância de Barros. Ele os ajudava a fazer tarefa escolar, mas vivia perdido pela rua e um dia o encontraram morto”.
Em outra narrativa, desta vez envolvendo o conhecido Hotel Gaspar, o escritor Rafael Sampaio instiga o leitor a descobrir o nome de uma personalidade internacional que, nos anos 1960, teria ali se hospedado antes de partir para uma viagem à Bolívia. No conto “Uma Partida de Xadrez no Terraço do Hotel Gaspar”, ele fala sobre a passagem deste ilustre personagem por Campo Grande. “Eu tinha ouvido esta história e quis materializar dentro deste conto, narrado por um menino entregador de jornal da região da Esplanada Ferroviária, no ano de 1966. A história é lendária e criei em cima dela, como se fosse uma noite no hotel.
Para contextualizar, procurei vários registros históricos. Contam que a personalidade, vinda de Cuba, transitava com vários passaportes, por isso, não se tem o registro no hotel com seu nome verdadeiro. Fica a cargo do leitor descobrir”.
Ao todo, são 36 histórias escritas por diferentes autores sul-mato-grossenses, entre eles os reconhecidos Rubenio Marcelo, Raquel Naveira, Samuel Medeiros, Thaís Barbosa, Américo Calheiros, Paulo Cabral. E os menos conhecidos do público leitor. “Nossas antologias também têm este papel de abrir espaço para jovens escritores que não sabem como começar a vida literária, queremos dar voz para estas pessoas, para começarem a ser lidas, comentadas”, explica a professora de Língua Portuguesa Ana Maria C. Bernardelli, uma das organizadoras da obra ao lado do escritor Fábio Gondim
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