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Filosofia

FILOSOFANDO COM  KIRKEGAARD


Freud, um grande leitor de Nietzsche, que por sua vez apoiou-se em Kirkegaard, com certeza tirou desse pensamento de Kierkegaard o que veio a rotular, na psicanálise, de
"mecanismo de defesa" e "repressão".

O homem automaticamente "cultural" está confinado pela cultura e é escravo dela, seduzido na trivialidade pela rotina confortável da vida social e das alternativas limitadas e seguridade opaca que ela lhe oferece. Tal pessoa ele chama filisteu. O filisteu teme a verdadeira liberdade, porque ela coloca em perigo a estrutura de negação que cerca sua rotina cultural, abrindo as possibilidades das quais ele quer distância.

É o que freqüentemente caracteriza o filisteu burguês - membro da confortável classe média urbana, mais provavelmente do mundo dos negócios. Filisteus burgueses operam dentro de fronteiras de esperteza com a qual eles tentam acomodar "o possível". Cálculo, autoproteção, onde métodos do tipo comercial são presumivelmente transferidos para a vida do espírito, com resultados fatais previsíveis. A pessoa materialista ignora que tem um Eu eterno.

Criança. Tem raízes também no pensamento de Kierkegaard o postulado da psicanálise existencial de que as mentiras do caráter são construídas pela a criança para ajustar-se a seus pais, ao seu mundo, além de aos seus próprios dilemas existenciais. Essas defesas do caráter tornam-se automáticas e inconscientes. Essas mentiras negam nossas ossibilidades. Conduzem as pessoas a ter medo de pensar por si mesmas. Deixar a criança

explorar o mundo e desenvolver seus próprios poderes dará a elas uma "sustentação interna", uma autoconfiança diante da experiência.

Maturidade. Saúde mental não é "ajustamento normal" ou "normalidade cultural". A pessoa realmente saudável é aquela que transcendeu a si mesma despindo-se das mentiras do nosso caráter, entendendo a verdade de nossa situação e quebrando nosso espírito fora de sua prisão condicionada. O amadurecimento requer ambos o reconhecimento da realidade de alguém, de seus verdadeiros dons e talentos e dos seus limites.

Angústia e pecado. O homem pode escapar da angústia pela fé. Kierkegaard insiste que o homem está em pecado e não pode compreender o bem porque não quer compreender, e precisa da revelação de Deus para mostrar que ele se acha em pecado. A ansiedade não é em si mesma um pecado, diz ele, pois é a reação natural da alma quando em face ao escancarado abismo da liberdade.

Em "A doença para a morte" diz que, experimentando o pavor, alguém salta para o pecado mas, se o desafio do cristianismo é aceito, passa da culpa à fé. Assim o pavor é o prelúdio do pecado e não sua conseqüência, como poderia a princípio parecer.

O homem pode escolher o pecado em sua fuga da angústia, e o pecado a certa altura, trará mais angústia. O próprio pecado traz ansiedade, um componente da ansiedade de liberdade. Sem a fé, a angústia leva ao desespero. O pavor é a ansiedade em face do eterno. Esta ansiedade pode levar o pecador de volta a Deus que o criou e lhe deu a liberdade, e assim a ansiedade pode ser salvadora pela fé. A angústia foi, então, o caminho para a fé.

Ética. Individualismo moral. Kierkegaard aborda uma questão ética polêmica, ao indagar se um julgamento moral pode ser suspenso em virtude de um poder maior. Ele exemplifica com o episódio em que Abraão recebe de Deus a ordem de matar Isaac. Assim ele vê o sacrifício de Abraão e Isaac: obediência a um dever, no caso a obediência a uma ordem de Deus que é a essência de tudo que é ético, mas que exigia dele um ato não ético. Kierkegaard buscava justificar-se por haver rompido seu noivado, o que ele considerava um ato não ético, porém o fez por um motivo que considerava eticamente superior, sua dedicação a Deus. Dos três modos de vida que ele considerava possíveis, o modo de vida estético, o modo de vida ético e o modo de vida religioso, este último era superior aos demais.

Modos. No caminho da vida há várias direções, embora se coloquem em três categorias de escolha. Assim é que distingue três tipos de vida a escolher, três escolhas fundamentais do

homem: a estética, a ética e a religiosa que não são três concepções teóricas do mundo, mas sim, três maneiras de viver. Inicialmente Kierkegaard apresenta apenas dois modos de vida, ou estágios, se tomados como etapas transientes.

Modo de vida estético. O esteticista vive no instante e não conhece outro fim da vida senão gozar o instante que passa. Infiel, quer sempre provar novidades, foge permanentemente

ao tédio, recusa engajar-se, são os Don Juans ou o intelectual cético e diletante.

Modo ético. No modo de vida ético o homem encarna as regras universais do dever. Trabalhador consciencioso, marido e pai devotado, leva tudo a sério, é pouco flexível, prisioneiro de idéias acabadas, e se crê cidadão exemplar.

Modo religioso. No modo de vida religioso o homem não está submetido a regras gerais mas é um indivíduo diante de Deus. Sua relação com Deus não se traduz em conceitos e regras gerais, mas em inspiração fora do universo da razão. Abraão está pronto para sacrificar

seu filho Isaac porque Deus o ordena, mas esta ordem não é justificada por nenhuma finalidade ética.

7. Conclusão

Assim, Filósofo e teólogo dinamarquês, educado num ambiente de intensa espiritualidade pietista, doutora-se em 1841 com um estudo sobre o conceito da ironia. A sua vida é marcada pelo noivado, acabado um ano mais tarde, com uma jovem, e pelo seu ríspido antagonismo com a igreja luterana. As suas obras podem agrupar-se em três blocos: a descrição fenomenológica da existência (Este ou o Outro, Temor e Tremor, O Conceito de Angústia), a elaboração filosófica do problema da verdade e da revelação religiosa (Migalhas
Filosóficas,
etc.) e a meditação sobre a linguagem evangélica (A Doença Mortal, Discursos Religiosos).

No pensamento de Kierkegaard são básicas as noções de possibilidade e de escolha (entre as possibilidades existenciais: a estética, a ética e a religiosa). Em O Diário do Sedutor desenvolve o conflito entre o homem estético e o homem ético. E propõe uma terceira forma de existência: a religiosa. Kierkegaard sublinha o caráter absurdo da verdade e da existência cristãs. O homem acautela-se, perante Deus, de que está manchado pelo pecado. Daí nasce à angústia e o remorso.

A influência de Kierkegaard, escritor sugestivo e inquietante, faz-se sentir sobretudo na segunda metade do século xix (Strindberg, Ibsen, Unamuno) e na literatura alemã (Thomas Mann, Franz Kafka). Na filosofia do século xx é considerado um precursor do Existencialismo.

Soren Kierkegaard (1813-1855) não foi um filósofo no sentido acadêmico do termo. Mas produziu o que muita gente espera da filosofia. Não escreveu sobre o mundo, escreveu sobre a vida – sobre como vivemos e como escolhemos viver. Seu tema foi o indivíduo e sua existência: o "ser existente". Na visão de Kierkegaard, essa entidade puramente subjetiva está além do alcance da razão, da lógica, dos sistemas filosóficos, da teologia ou mesmo das "pretensões da psicologia". No entanto, é a fonte de tudo isso. O ramo da filosofia

criado por Kierkegaard acabaria conhecido como existencialismo.

Nos seus últimos anos, Kierkegaard atacou violenta e abertamente a Igreja e zombou dos líderes cristãos dinamarqueses. Não há como fazer vistas grossas ao fato de que ele não só deixou de ir às reuniões da igreja como também incentivou os demais cristãos a que seguissem o seu exemplo. E que ele foi mais longe ainda, afirmando que o cristianismo do Novo Testamento havia acabado! Finalmente, no seu leito de morte, ele pretendia tomar a ceia das mãos de um leigo e se recusou a recebê-la das mãos de um clérigo da igreja oficial, morrendo sem tomá-la.

Referências Bibliográficas

CANCLINI, Arnoldo. Fragmentos Filosóficos. Buenos Aires, Imprensa Metodista, 1956.

CHAVES, Odilon M. Sofrimento e Fé em Kierkegaard. Monografia, S.B. do Campo, 1978

LOWRIE, Walter. Kierkegaard's Attack Upon "Christendom". Boston, The Beacon Press, 1957

LOWRIE, Walter. Kierkegaard, Christian Discourses. New York, Oxford, 1961.

SIMÕES, Carlos O. P. Ética e Fé em Kierkegaard. Monografia, S.B. do Campo, 1958.

VERGEZ, André. História dos filósofos ilustrada pelos textos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1976.

MESNARD, Pierre. Kierkegaard. Edições 70, Coleção Biblioteca Básica de Filosofia.

Kierkegaard, Soren A. - Diário de Um Sedutor e outras obras. Coleção "Os Pensadores", Ed. Abril, São Paulo, 1989.

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